Celina Brod
O gingado do brasileiro e o samba político
Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Aquilo que temos de melhor é também o nosso pior. Estou falando da passionalidade brasileira. Somos profissionais em intimidade rápida, não estranhamos um abraço dado pela primeira vez, sacodimos nosso corpo com facilidade e em cinco minutos de conversa marcamos uma janta, a qual sabemos que iremos falhar. Isso gera calor, mesmo à custa de uma promessa negligente, gera uma coisa diferente no ar, que o sujeito estrangeiro - acostumado a conhecer primeiro, intimidade depois - olha para esse jeito brasileiro como se fosse um canto de pássaro raro. Acostumado a outros modos de ser, o gringo não sabe como metabolizar esse curto circuito emocionado. Ele gosta do que vê, mas pressente que a confiança é mais séria e duradoura do que a sedução carismática.
Brasileiro é cativante e deduz que isso deveria ser uma obrigação universal. Ficam escandalizados quando confrontam uma cultura que não imita a sua. Sentem-se perdedores, afinal, todo esse poder de sedução social, usado para gerar conexão, não tem o mesmo efeito em terras onde a liberdade é uma regra que cobra grandes responsabilidades. Nós lidamos bem com a imprevisibilidade e nosso rebolado é uma questão de sobrevivência. Além disso, perpetuamos soluções provisórias para resolver rapidamente o problema, porque pensar lá na frente é coisa de gente calma, que tem menos frio na barriga.
Meus amigos gringos dizem que tenho um jeito vívido, confesso que amei o adjetivo. Fazer amigos de cultura exige uma disposição de espírito, aceitar que vidas crescem e respiram de um modo distinto. Se você lembrar que o sujeito contido é só alguém que nunca aprendeu a sambar ou saiu correndo para tirar a roupa do varal, conquistará o amigo apenas sendo tudo que ele não consegue ser. Nossa habilidade em descongelar o isolamento do estrangeiro tímido vem desse nosso traquejo místico, diferente dos mexicanos, que atalham o caminho com a salsa e pimenta.
Porém, é precisamente nosso encanto, nosso maior contratempo, o qual pagamos na política. O político com conversa de bar, com jeito intimista, que promete milagres que não sabe cumprir, que beija testa de criança suada, que conta história cheia de hipérboles é o nosso gingado visto através de uma lupa. Políticos não brotam de buracos, eles crescem do mesmo solo que o resto da gente. Na última eleição, o nível dos debates desceu ao piso do boteco, o conteúdo era o que menos importava, estávamos presos a passionalidade da forma. Mas, assim como a bebedeira faz a gente enxergar beleza na mulher feia, a paixão eleitoral faz o sujeito ter fé em asneira. Na realidade sóbria, tudo é mais sério e difícil. Mas, se o efeito da cachaça passa para quem promete também passa para quem escuta e acredita.
O atual governo liberou verba do orçamento secreto ao congresso, vem esbanjando milhões no exterior (depois de dizer que a classe média deveria ter aulas sobre consumir apenas o essencial), transformou o válido debate sobre a regulamentação das redes em um vigiar e punir apressado e segue com problemas básicos de comunicação. O governo acertou em outras medidas, mas fazer o razoável e devolver o certo à sociedade é dever político. É compreensível, depois da viagem de ácido que todos tivemos com o bolsonarismo, a sobriedade realmente parece algo incrível.
A derrota do mito não servirá como critério imbatível para sempre. E, em briga de bar, um derrotado nunca esquece os golpes e argumentos que levou, e usará a contradição a seu favor para gerar raiva: emoção que mobilizam o eleitor.
Político deveria ganhar nossa confiança pelas ações que prática, não pela simpatia amiga. Quem fará o bolsonarismo ficar no passado é o bom senso de quem governa o presente. O presente não é mais igual ao passado, a política de hoje é um aquário e as velhas ideias não descem mais, nem no congresso, nem na massa. Depois que acaba a festa do Baco, os espertos penduram no fiado e quem sambará para pagara conta serão os milhões de Zé miseráveis.
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